Mentiras e esmeraldas
Mentiras e esmeraldas
Tiago da Costa
Houve um momento em que a calmaria do oceano
se tornou mais desafiadora que o rigor das tempestades. A tensão que precedia
as batalhas, bem como a movimentação frenética de cada pirata para controlar a
embarcação durante os temporais, deram lugar a uma quietude insuportável.
Já fazia duas semanas que o Leviatã
II navegava, sem direção, sobre um mar de ondas fracas, após zarpar da Ilha
de Sal. O céu limpo, o vento suave e a equivocada rota de regresso para o
continente construíram um cenário de tédio que, para a tripulação, poderia ser mais
fatal que uma luta de espadas.
Há dois meses, quando partiram em busca
de cobiçadas esmeraldas, ninguém poderia imaginar que o maior desafio da expedição
seria, justamente, a volta para casa. Depois de semanas navegando por mares
revoltos, o imponente galeão pirata, conduzido por quase cem homens e armado
com trinta canhões, finalmente atracara no seu destino, a Ilha de Sal.
O local, conhecido como a parte mais
inóspita do Arquipélago Vermelho, protagonizava histórias sobre armadilhas e tesouros
amaldiçoados, o que não impediu a tripulação do Capitão Henry Sealion de saquear
o mais famoso deles. A conquista das esmeraldas custou a vida de dezenove
piratas, o que foi tido como um preço baixo, considerando que ninguém chorou
pelos companheiros mortos ao contemplar o brilho das pedras preciosas.
Não bastassem, entretanto, os perigos
enfrentados nas cavernas da ilha, o renomado navio pirata quase fora engolido
pela fúria do oceano nas primeiras horas do regresso. Um temporal de proporções
jamais enfrentadas quase colocou um ponto final na história do galeão.
A bonança que sucedeu a tempestade foi
comemorada, como era de se esperar, em um primeiro momento. O mar calmo garantiu
as condições ideais para o conserto das velas e restauração do mastro principal.
Mas logo os homens do Leviatã II perceberam que o Mar Morto havia
poupado suas vidas durante a tormenta para fazê-los reféns de suas águas mais
tarde.
Preocupado com a desesperança crescente
de sua tripulação, o Capitão Henry Sealion passava o dia estudando cartas
náuticas na tentativa de entender por que, após um dia inteiro navegando, o
navio era sistematicamente trazido de volta pelas correntes marítimas até os
limites da ilha que tentava deixar. Isso se repetia, todas as manhãs, assim que
a neblina se dissipava, perfurada pelos primeiros raios de sol.
— Capitão, a névoa da madrugada começou
a desaparecer — disse um homem gordo de barba trançada —, mas a situação é a
mesma dos últimos dias. Já é possível avistar a maldita ilha no horizonte.
— Acho que estou buscando as respostas
no lugar errado, Leopold — falou afastando um mapa aberto sobre a mesa — os
cálculos convencionais não podem nos socorrer aqui. Henry mostrou para seu
homem de confiança uma bússola cujo ponteiro girava descontrolado. — Estamos
navegando às cegas.
— O senhor já estudou todas as cartas
que conhecemos. Deve haver alguma que possa nos orientar.
— Tenho a impressão de que nossas
respostas não estarão nos mapas, meu caro irmão de assalto, mas nas anotações
perdidas de Rumble Blackshark.
— Desculpe, capitão, mas o senhor vai
levar a sério as histórias infundadas de um pirata como Blackshark?
— A realidade me obriga a buscar
soluções nos lugares mais improváveis.
Debruçado sobre as anotações do único
homem que escreveu sobre a Ilha de Sal, Henry estudava as páginas soltas de um
diário roubado há anos de uma expedição real, cujo conteúdo não sabia ser verídico
ou fantasioso.
O autor do relato era Rumble Blackshark,
um pirata cuja fama alcançara os portos de todo o mundo. Mesmo aqueles que
nunca o encontraram respeitavam o pirata que, apesar de ter perdido o braço
direito numa batalha, era um exímio mestre de lâminas. Marinheiros de todos os portos
conheciam histórias sobre como eram implacáveis os ataques liderados por Blackshark,
o comandante que carregava na testa uma larga cicatriz e empunhava na única mão
sua espada curva de aço negro.
Finalizada a leitura das cartas, o
capitão saiu apressado pelo convés:
— Leopold — gritou pelo imediato —,
prepare a tripulação, icem as velas. Vamos retornar para a Ilha de Sal.
— O que o senhor descobriu, Capitão? — perguntou
assustado. — Essa expedição quase custou a vida de todos. São essas mesmo as
suas ordens?
— Eu entendi o porquê de estarmos presos
nessas águas, Leopold. As esmeraldas são amaldiçoadas e não podem deixar o
arquipélago. Elas representaram a ruína de Blackshark. Está tudo explicado em
seu diário.
O desapontamento da tripulação foi geral,
uma vez que, com o anúncio de Henry, todos viram naufragar o sonho de uma vida
de riquezas. Apesar da decepção, os piratas redirecionaram o leme e conduziram
o navio de guerra em direção à famigerada ilha.
O desembarque foi rápido. O enorme baú
de madeira foi deixado na mesma caverna, os homens retornaram ao navio e no
final do dia o Leviatã II desancorou novamente da Ilha de Sal.
Por mais uma noite, iluminado pela lua
cheia, o galeão tentava retornar para o continente. Henry Sealion, embora
seguro de ter tomado a melhor decisão, teve um mau presságio enquanto encarava
a escuridão das águas. Estava decepcionado com Leopold, por descobrir que o imediato
havia escondido consigo uma das esmeraldas, contrariando suas determinações
expressas de deixar todo o tesouro para trás. A intuição lhe dizia que isso
teria um preço.
O capitão andava pelo convés quando foi
surpreendido por um navio imenso, completamente negro, do casco aos mastros e
bandeiras, surgido de um nevoeiro e aproximando-se numa velocidade descomunal. Quando
a máquina de guerra pareou com o Leviatã II só deu tempo de gritar e se abaixar:
— Ataque à estibordo — esbravejou
enquanto corria para a parte mais alta do convés —, todos os homens em suas
posições.
Nada se pôde fazer. A embarcação inimiga
parecia ter uma centena de canhões, que despejaram o inferno sobre os piratas.
Nem foi preciso invadir o galeão, que naufragou horas mais tarde.
Na manhã seguinte Henry Sealion acordou à
beira da praia, apenas com a roupa do corpo. Um homem de barba, cabelos brancos
e uma profunda cicatriz na testa lhe estendeu a mão esquerda, a única que
tinha, para ajudá-lo a se levantar.
— Algum dos meus homens sobreviveu? — perguntou,
ainda atordoado, começando a compreender o que ocorrera.
— Alguns deles estão perdidos pela praia.
Encontre-os, siga para o outro lado da ilha e utilize um pequeno barco que está
ancorado por lá.
— O que acontece depois?
— Volte para casa e conte aos piratas de
todos os mares o que viveu aqui — disse enquanto se distanciava, levando apenas
uma espada curva na cintura. — Isso bastará para que ninguém retorne.

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